sexta-feira, 20 de março de 2009

DEVAGAR É MELHOR - Ou como viver bem numa época turbulenta.

Slow não significa fazer tudo num passo de lesma; significa sim, trabalhar, divertir-se e viver melhor, fazendo as coisas numa velocidade correta e saudável. O Slow Home e Slow Design são tendências de comportamento que tomaram seus nomes emprestados do movimento Slow Food, que surgiu como uma reação à indústria de alimentos processados. A expansão das cidades tem sido como o fast-food; padronizada, homogênea e com muito desperdício, contribuindo para um estilo de vida frenético, que faz mal às pessoas e ao meio-ambiente. Da mesma maneira que o movimento Slow Food nos propõe escolher com critério os alimentos que ingerimos, para que nos tornem mais saudáveis e que sejam produzidos de uma maneira sustentável,o Slow Home e o Slow Design nos sugerem melhorar a qualidade da forma como vivemos agora e no futuro, através da escolha consciente e correta de onde vamos morar e dos objetos que traremos para dentro de nossas casas. O Slow Home é baseado em três princípios fundamentais: Proximidade, Simplicidade e Leveza.
Proximidade; Procurarmos viver o mais próximo possível de nossos locais de trabalho. Isso reduz a nossa contribuição para a emissão de gases tóxicos na atmosfera e nos dá mais tempo para fazer as coisas que gostamos. Significa também viver numa comunidade onde lojas, escolas, parques e outros serviços sejam facilmente acessíveis a pé ou de bicicleta. Simplicidade; Tentarmos viver numa casa que realmente se adapte aos nossos estilos de vida. Moradias com um “lay-out” bem organizado, que tenham ambientes com muita luz natural e contato com o exterior podem tornar as nossas vidas mais fáceis e deixa-las menos ocupadas, sem uma grande quantidade de tempo, esforço e espaço desperdiçados. Simplicidade também significa garantir, que não adicionemos estresse extra para as nossas vidas com uma casa além da que realmente necessitamos.
Leveza; Significa escolhermos viver em casas que tenham um menor impacto ambiental aumentando sua eficiência energética e a redução das emissões prejudiciais para nós e para o meio-ambiente. Significa produzirmos casas e objetos com materiais certificados, provenientes de fontes de recursos renováveis. O movimento Slow Home vem buscando conscientizar-nos a criar bairros e casas saudáveis. Um lugar vibrante que eleve nosso espírito e ajuste-se com graciosidade as nossas necessidades. Apela para o fim das más construções, do mau design, do marketing enganoso, das práticas desleais de empréstimos e de negligências ambientais no sector da habitação. Sugere que reconheçamos a nossa responsabilidade coletiva para criar PROXIMIDADE, SIMPLICIDADE E LEVEZA nos lugares em que vivemos, para que deixemos um legado positivo às gerações que virão.

Coisas da vida.

"Os objetos que estão em casa são quase parentes. Eles presenciam nossa história e também guardam nossa memória."
texto de Mariana Sgarioni - publicado na revista vida simples de julho de 2008 Se o criado-mudo falasse, provavelmente seria o maior contador de histórias de que se tem notícia bom, nesse caso, para início de conversa, ele teria que trocar de nome. E o que dizer daquele sofá velho, meio afundadinho em uma das extremidades, que denuncia de imediato qual o seu canto preferido de se esparramar? Não dá nem para pensar em trocá-lo, até porque nenhum será tão confortável e aconchegante quanto ele.
O que, afinal, faz com que as coisas tenham tanto valor para nós? Bem, esqueça o dinheiro. Um objeto de alto valor no mercado pode não dizer absolutamente nada para você. Esta afirmação foi provada pelo professor de psicologia e educação na Universidade de Chicago Mihaly Csikszentmihalyi (sim, o nome dele é esse mesmo, sua origem é croata). Ele visitou 80 famílias americanas e perguntou o que era mais importante para cada uma delas dentro de casa. A grande maioria não indicou nada de alto valor monetário. Era sempre algo de valor afetivo: a cadeira de balanço que foi do avô, a colherzinha da infância, a mesa de estudos da adolescência. Os artefatos têm participação ativa no cotidiano. Eles organizam práticas sociais, influenciam comportamentos, incorporam metas e se tornam inseparáveis daquilo que somos, afirma. Isso significa que as coisas têm vida social, são palco de nossas experiências e, sim, são impregnadas de emoções.
As coisas e nós O estudo de Mihaly mostra que a tão propagada cultura do descartável não está tão presente assim no que diz respeito à vida privada das pessoas. Nós fazemos questão de guardar aquilo que realmente nos importa. Isso pode acontecer quando um objeto nos lembra alguém especial, como a cadeira de balanço do vovô, que remete à lembrança do próprio vovô ali, ainda presente dentro de casa. Ou quando ele nos remete a um lugar que merece ser lembrado, como aquela recordação de uma viagem feita com seu melhor amigo. E ainda se o objeto tem a ver com nossos valores, com o que pensamos. Tipo uma mesa feita de madeira proveniente de reflorestamento, que representaria nossa preocupação com o meio ambiente, nosso modo de encarar o mundo, os valores que queremos para o futuro. Por isso seria tão cara para nós.
Você mede a maturidade de uma pessoa com base na história das suas coisas, diz Vera Damazio, coordenadora do LabMemo (Laboratório Design, Memória e Emoção), da PUCRJ. O que quer dizer que tudo dentro de casa tem uma história, uma memória. E, se você reparar bem, muitas vezes a gente guarda uma infinidade de objetos em casa que não tem nenhuma funcionalidade prática ou óbvia. E não estou falando só de quinquilharias velhas. Um espremedor de suco, por exemplo, que é lindo de morrer, supermoderno, novíssimo. Mas que vaza e não pode ser usado para fazer suco serve só como decoração e para puxar conversa com os amigos visitantes. Minha casa está repleta de coisas que não funcionam direito, diz Don Norman, psicólogo americano e autor do livro Emotional Design Why We Love (or Hate) Everyday Things (Design emocional Por que adoramos [ou odiamos] os objetos do dia-a-dia, sem tradução). Mas mesmo assim eu quero todas essas coisas lá, do jeitinho que estão.
Então por que nos apegamos tanto assim a objetos, até mesmo àqueles que nem funcionam? Bem, é que cada coisa interage conosco de maneira diferente, nos lembra pessoas diferentes e tem uma recordação específica boa ou má. Em sua tese de doutorado Artefatos de Memória da Vida Cotidiana Um Olhar sobre as Coisas que Faz Bem Lembrar, Vera pesquisou quais foram os objetos que melhor testemunharam a passagem da vida para as pessoas. As respostas foram surpreendentes: há desde papeizinhos de bala toffee até medalhinhas e flores secas guardadas dentro de livros. São lembranças de reconhecimento, de que somos amados.
Objetos e afetos Para começar, as coisas são uma extensão de tudo aquilo que nosso corpo não consegue fazer. Nossos antepassados ficavam inventando tralhas para facilitar a vida e assim viver melhor, uma vez que o meio é hostil. Por exemplo: criamos camas que são uma ajuda para nos ajeitarmos e dormirmos gostoso sem nos machucarmos nas pedras. Os leques ajudam a vencer o calor. As mantas aquecem. E assim vai. Nos tempos atuais, ainda continuamos a buscar aquilo que nos ajuda e protege. Mas não é só isso. A grande função dos objetos de hoje deve ser a de aproximar as pessoas, diz Vera. Ela quer dizer que ninguém escolhe um sofá, por exemplo, pensando somente em si próprio. Pensamos nos amigos que vão sentar nele, nas reuniões que vão acontecer na sala, nas pessoas queridas. Sempre compramos objetos para interagir com os outros. Ninguém vive só. Queremos que os outros gostem, queremos ser aceitos. É por isso que esses objetos guardam história, eles são fruto de uma vivência social.
Foi assim que apareceu em 1999 o que se chama hoje de design emocional. Na Holanda, esses novos designers trabalham com a agradabilidade dos objetos, tentam buscar respostas emocionais nos usuários. Ou seja: eles querem provocar (ou evocar) sentimentos. Tudo parte da premissa de que escolhemos as coisas com base na emoção e não na razão. O neurologista português Antonio Damásio, da Universidade de Iowa, autor do livro O Erro de Descartes Emoção, Razão e o Cérebro Humano, é um dos principais defensores dessa idéia, afirmando que, ao contrário do que dizia o filósofo que imortalizou a máxima penso, logo existo, a tomada de decisões do ser humano está diretamente ligada à capacidade de sentir. Damásio afirma que os objetos têm sim competência emocional e são capazes de despertar toda a sorte de emoções em seus usuários. É por isso que escolhemos sempre aquilo que nos parece mais bonito, e não coisas que são apenas uma utilidade pura e simples. Até porque as coisas bonitas, por causarem uma boa sensação, também nos dão a impressão de funcionarem melhor, diz Norman. Com isso em mente, os designers emocionais têm como objetivo promover sentimentos positivos e condutas socialmente responsáveis. De que jeito? Isso é meio complicado, uma vez que o significado dado a cada objeto na maioria das vezes independe de quem o projetou. Por exemplo: você guarda com todo cuidado aquela caixinha que ganhou de presente da sua mãe ao fazer 18 anos. Ou odeia a tal caixinha, pois naquele dia tomou um belo fora do seu namorado ou namorada. E o pobre designer que a desenhou nem imagina que isso aconteceu. Segundo Júlia Peixoto de Carvalho Lima, adepta do design emocional, o designer pode não ter todo o domínio do sentimento provocado mas ele pode muito bem dar uma forcinha. Por exemplo: ele pode inventar objetos próprios para dar de presente ou coisas específicas para alguém expressar o amor. Isso certamente será memorável e guardado em casa por muito tempo. Não se trata de desenhar uma cadeira, e sim algo para as pessoas se sentarem. É preciso olhar para o tipo de relação que se tem com as coisas e estabelecer o objetivo que se quer com isso, diz. Ao observar o tipo de emoção que cada coisa provoca, você percebe que nenhum objeto é neutro. Ele tem vida própria.
Provocando emoções Mas como seria possível despertar uma emoção a partir de um ser inanimado? De muitas formas. Primeiro, é preciso um objetivo claro do que se quer. Um exercício feito pelos alunos de design da PUC-RJ foi o de inventar algo para aliviar as tensões do dia-a-dia. Uma aluna criou um saco de papel. Ele serve para encaixar a boca e gritar todo tipo de xingamento possível ali dentro. Em vez de ofender alguém, você pode descarregar toda a raiva no saco. E depois sair bem soltinho, levinho. Uma outra criação foi um prato próprio para ser atirado na parede. Depois de estilhaçado, ele é facilmente recomposto e pode ser remontado para um próximo ataque de fúria.
Um outro exercício divertido foi o de criar algo para driblar a ansiedade. Ao pensar que todo ansioso põe alguma coisa na boca, muitas vezes o lápis ou as unhas, um criativo inventor bolou pequenas borrachinhas comestíveis, de sabores variados, para serem encaixadas em canetas ou lápis. Outra idéia interessante é um item que já existe no mercado e que reforça o sentimento de despertar o acolhimento e a aproximação entre as pessoas: o guarda-chuva bem grande, para duas pessoas, um estímulo para dar carona nos dias de chuva. A idéia é que os objetos façam você se sentir melhor e que você se lembre sempre deles, afirma Júlia. Vera Damazio completa: A gente é aquilo que a gente lembra.
LIVROS• Emotional Design Why We Love (or Hate) Everyday Things, Donald A. Norman, Basic Books• O Erro de Descartes Emoção, Razão e o Cérebro Humano, Antonio R. Damásio, Companhia das Letras.

MINHA CASA SOU EU – As partes e o todo.

“Existe um modo intemporal de construir. Tem milhares de anos de antigüidade e é hoje o mesmo de sempre. Este modo conduzirá, a quem quer que o busque, a edifícios que são em si mesmos tão eternos em sua forma como as árvores e as colinas. Como nossos rostos...” Christopher Alexander, The Timeless Way of Building Para muitas pessoas o esforço de chegar a serem fiéis a si mesmas é o problema central de suas vidas. Quando conhecemos pessoas que são fiéis a si mesmas, imediatamente sentimos que são mais "reais" que as outras. Para um visitante é fascinante entrar numa casa que constitua a expressão vital de uma pessoa ou de um grupo. A manifestação de suas vidas, de suas histórias, de suas inclinações, colocadas com toda a franqueza pelas paredes, móveis e estantes sempre nos dá aquela sensação de sermos bem vindos e de que ali existe algum tipo de harmonia. Acho que todos nós acreditamos que é muito difícil estar plenamente de acordo com a gente mesmo, simplesmente copiando os modelos externos sobre como as coisas devem ser. Isso sempre vai gerar algum tipo de conflito. O que na realidade buscamos é conseguir manifestar e sentir a nossa singularidade neste mundo, assim como o nosso sentimento de pertencer. Demonstramos isso na nossa vida diária, através das nossas relações com as pessoas, com o trabalho, com o nosso espiritual... Mas também muitas vezes sem nos darmos conta, usamos nossas roupas, nossos carros, nossos objetos e até a nossa casa, como símbolos para comunicar-nos e representar-nos para o mundo. Entretanto, quando pensamos em expressar-nos através da nossa casa, muitas vezes as coisas ficam um pouco mais complicadas, e até um exercício lúdico e cheio de prazer como escolher cores para as paredes, pode tornar-se um tormento de insegurança, dúvida e conflito. Isso acontece porque temos infinitas opções para resolver uma mesma questão e sempre ficamos na dúvida se estamos escolhendo a melhor. É impossível saber. Até porque todas as cores são lindas! Costumo ficar pensando se é possível definir um processo que me mostre como posso fazer da minha casa, um lugar realmente “vivo” que reflita exatamente quem eu sou, ou que seja uma promessa do que eu quero me tornar. Através deste exercício, algumas coisas com o tempo, foram ficando muito claras para mim: Nós não percebemos o mundo em pedaços, nós vivenciamos e percebemos os lugares, as coisas e as pessoas como um todo e o que nos faz gostar ou não, disso ou daquilo, desta ou daquela, é principalmente a relação entre as suas partes e não das partes propriamente ditas. A relação entre as partes é a rede invisível que as interliga, é a alma, e nela está o segredo da beleza de tudo que existe. Na natureza é assim. Eu explico; Num exemplo bem simples, imagine as pessoas mais bonitas que você já viu. Pegue de cada uma delas, sua parte mais linda, mais perfeita. Os olhos de uma, a boca de outra, o rosto de uma terceira e vá assim selecionando todos os elementos necessários para compor um novo ser humano. Junte agora todas estas belas partes e pronto! Você acredita que criou o mais belo ser humano que já existiu? Claro que não, na verdade você acaba de criar um monstro! Sabe por quê? Porque mesmo usando os elementos mais lindos de cada um deles, você os tirou de um contexto em que tinham um tipo de relação única entre as suas partes e que dificilmente irá se repetir em um outro meio sem parecer artificial. Por isso que é ruim copiar. Por isso é melhor ser autêntico. Podemos pensar nesta metáfora quando queremos nos vestir bem, fazer uma receita gostosa, cultivar um grupo de amigos, elaborar um bom trabalho em equipe e fazer milhares de outras coisas nas nossas vidas. Na nossa casa não seria diferente. Também lá o que interessa, é a relação que nós estabeleceremos com os objetos, os móveis, os quadros, as cores... mas somente a intensidade do nosso envolvimento, é que dará vida e brilho a este lugar que chamamos de lar. Assim para dar à minha casa, a minha identidade, o primeiro passo é definir que tipo de relações eu vou querer que existam por lá.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

CYBERTEK – Cyber Home

Uma cyber home é um estabelecimento semelhante a uma lan house, com a diferença de não dispor de jogos online, pois o objetivo é oferecer navegação pela internet, edição, impressão de textos e outros serviços relacionados. A Cybertek é uma cyber home de sucesso que recentemente passou por uma profunda transformação com o objetivo de captar mais usuários e atender com mais qualidade a sua já numerosa clientela.
projeto George Martins arquitetura+design

sábado, 26 de julho de 2008

Você é disposto a mudar?

apartamento Escopelli - projeto do estúdio.
Um dos prazeres de ser arquiteto é poder brincar com a criação. Poder a partir de umas poucas pistas, fazer surgir alguma coisa que existirá por algum tempo, ou talvez com sorte, até por muito tempo. Primeiro criá-la na imaginação, depois no papel ou na tela do computador e finalmente confrontá-la com a realidade. É um desafio gostoso que passa por todas as etapas de uma gestação, inclusive com direito a depressão pós-parto. Quando a obra é nova, a grande expectativa é de ver como ela vai interferir e conviver com a sua vizinhança, como será aceita pelos seus habitantes e usuários, como será a sua vida útil. Será admirada? Ficarão indiferentes? Na realidade, apesar de tentarmos, não temos muito controle sobre que personalidade ela terá. Ela simplesmente cumprirá o seu destino. Mais ou menos como quando uma criança vem ao mundo, pois ninguém escapa de fazer projeções sobre a vida de um bebê. Por outro lado, quando a obra não é nova o desafio é diferente. O desafio então, é alquímico, é o da mudança, da transformação. É mais difícil. Mudar é difícil. Mudar para melhor então nem se fala! É o desafio da Fênix. A fênix é um pássaro da mitologia grega que quando morria entrava em auto-combustão e passado algum tempo renascia das próprias cinzas. A mudança real sempre passa por algum tipo de destruição e talvez por isso as remodelações me fascinem tanto. A remodelação é a promessa ou a oportunidade de um espaço se tornar melhor, de transcender a sua existência anterior, mas para isso será inevitável passar pelo caos e pela destruição daquilo o que se tornou. Mais ou menos como acontece com as pessoas. Poder observar este processo periodicamente, para mim é uma dádiva, é didático, ilustra o processo pelo qual devemos passar internamente de tempos em tempos, para não ficarmos com a vida empalhada, sem brilho, sem graça, poeirenta... Quem sabe é por isso que chamam esta área de “Arquitetura de Interiores”.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

FOGO

“Trata-se neste caso de um fogo calmo, regular, domesticado, onde uma acha enorme arde com pequenas chamas. É um fenômeno monótono e brilhante, verdadeiramente total: fala, voa, canta.”
A televisão costuma constituir o foco de atenção na maioria das casas, mas ela é um débil substituto de algo realmente vivo. O fogo é uma pedra de toque emocional e é quase tão fundamental psicologicamente, quanto o é a necessidade funcional da água para o nosso organismo.
No início da humanidade, o fogo era nossa primeira proteção, nossa ferramenta, nossa defesa real do mundo externo e agressivo. Ao mesmo tempo e por este motivo, tornou-se um “centro” para os nossos ancestrais. Em volta dele, protegiam-se, faziam as refeições, compartilhavam o conhecimento e passavam sua história para os descendentes. Estas ações, repetidas por centenas de milhares de anos, fizeram do fogo um elemento arquetípico incorporado no nosso inconsciente. O fogo nos atrai. Podemos observar esta presença interior, ao pedirmos para uma criança desenhar uma casa: haverá quase sempre uma referência ao fogo.
Mas antes de tudo o fogo é um agente do devaneio, do sonho e da projeção. Gaston Bachelard, em seu livro a Psicanálise do Fogo, acentua o caráter fenomenológico deste elemento: “Por isso, em nossa opinião, quem não for capaz de divagar em frente ao lume da lareira perdeu realmente o uso primordial e humano do fogo... E é sempre assim, mediante um prazer extra – como uma sobremesa – que o fogo se mostra amigo do homem. E o homem descobriu seu intelecto através do prazer, e não das lágrimas! A conquista do supérfluo nos confere uma excitação espiritual maior que a conquista do necessário. O fogo, para o homem que o contempla, é um exemplo de mudança súbita, de desenvolvimento, de evolução circunstancial. O fogo evoca o desejo de acelerar o passo do tempo, magnifica o destino humano, une o pequeno ao grande, o coração com o vulcão...”

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Casa Materna

A casa materna é uma presença constante nas autobiografias. Nem sempre é a primeira casa que se conheceu, mas é aquela em que vivemos os momentos mais importantes da infância. Ela é o centro geométrico do mundo, a cidade cresce a partir dela, em todas as direções. Fixamos a casa com as dimensões que ela teve para nós e causa espanto a redução que sofre quando vamos revê-la com os olhos de adulto.

O espaço da primeira infância pode não transpor os limites da casa materna, do quintal, de um pedaço de rua de bairro. Seu espaço nos parece enorme, cheio de possibilidades de aventura. A janela que dá para um estreito canteiro abre-se para um jardim de sonho, o vão embaixo da escada é uma caverna para os dias de chuva.

A criança muito pequena pode ignorar que seu lar pertence a um mundo mais vasto. O espaço que ela vivencia, como o dos primitivos, é mítico, heterogêneo, habitado por influências mágicas. A mesa da família possui um lado onde é bom comer, o lado fasto onde senta-se mamãe e é agradável estar; no lado de lá, o retrato do tio avô que me olha fixo, às vezes feroz, torna o lado nefasto onde eu recuso comida e choramingo. Tudo é tão penetrado de afetos, móveis, cantos, portas e desvãos, que mudar é perder uma parte de si mesmo; é deixar para trás lembranças que precisam deste ambiente para reviver. Para a criança que ainda não se relacionou com o mundo mais amplo, a mudança pode ter um caráter de ruptura e abandono.

Há sempre uma casa privilegiada que podemos descrever bem, em geral a casa da infância ou a primeira casa dos recém-casados onde começou uma nova vida. Alguns detalhes chamam a atenção: o número de janelas que dão para a frente, as ruas eram gostosas de se ver, nem havia a preocupação de isolamento, como hoje, em que altos muros mantém a privacidade e escondem a fachada. Então, janelas que dão para a rua são encarecidas e naturalmente o quintal para a criança e o porão.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

HISTÓRIAS DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA.

Ville Savoy
Se os modernistas no íntimo desenhavam tendo em mente o belo, por que justificavam o seu trabalho principalmente em termos técnicos?
Tão forte era o interesse estético dos modernistas que ele várias vezes prevalecia sobre considerações a respeito da eficiência. A Villa Savoye podia parecer uma máquina com intenções práticas, mas era na realidade uma extravagância com motivações artísticas. As paredes nuas foram feitas à mão por artesãos com argamassa caríssima importada da Suíça, eram delicadas como renda e tão destinadas a gerar sentimentos quanto as naves incrustadas de jóias de igrejas da Contra-Reforma.

Pelos próprios padrões do modernismo, a cobertura da Villa Savoye era igualmente, e ainda mais desastrosamente, desonesta. A despeito dos protestos iniciais dos Savoye, Le Corbusier insistiu supostamente com base em argumentos técnicos e econômicos apenas – que uma cobertura plana seria preferível a uma pontuda. Seria, ele garantiu aos seus clientes, mais barato para construir, mais fácil para conservar e mais fresco no verão, e Madame Savoye poderia fazer a sua ginástica em cima dela sem ser importunada por vapores úmidos que emanavam do térreo.

Mas a família se mudara havia uma semana apenas quando a cobertura por cima do quarto de Roger apresentou um vazamento, deixando passar tanta água que o menino contraiu uma infecção pulmonar, que se transformou em pneumonia, e ele acabou sendo obrigado a passar um ano recuperando-se num sanatório em Chamonix. Em setembro de 1936, seis anos depois do término oficial da construção da Villa, Madame Savoy resumiu os seus sentimentos sobre o desempenho da cobertura plana numa carta (respingada de chuva): “Está chovendo no hall, está chovendo na rampa, e a parede da garagem está totalmente encharcada. E o que é pior, continua chovendo no meu banheiro, que inunda com o mau tempo, pois a água passa através da clarabóia.”

Le Corbusier prometeu que o problema seria sanado imediatamente, e aproveitou a oportunidade para lembrar à sua cliente que o projeto para a cobertura plana fora recebido com entusiasmo por críticos especializados em arquitetura no mundo inteiro: “Os senhores deveriam colocar um livro sobre a mesa no hall do primeiro andar e pedir a todos os visitantes para registrarem por escrito os seus nomes e endereços. Verão que bela coleção de autógrafos será” Mas esta sugestão não serviu de consolo para a insatisfeita família Savoye. “Após inúmeros pedidos de minha parte, o senhor finalmente reconheceu que esta casa que construiu em 1929 é inabitável.” Repreendeu Madame Savoye no outono de 1937. “A sua responsabilidade está em jogo e eu não tenho que arcar com as despesas. Por favor torne-a habitável imediatamente. Espero sinceramente não ser preciso recorrer à justiça”.

Só a deflagração da Segunda Guerra Mundial e a consequente fuga da Família Savoye de Paris salvou Lê Corbusier de ter de responder no tribunal pelo projeto da sua máquina-de-morar praticamente inabitável, embora belíssima.

Extraído do livro A arquitetura da Felicidade de Alain de Botton – ed. Rocco.

O QUE RESTA DEPOIS QUE UM PRÉDIO É DEMOLIDO?

Depois de muitos anos vivendo numa cidade grande, gradualmente desenvolvemos um senso de assombro. Isto porque muito do que acontece ao nosso redor é inexplicável e, ao mesmo tempo mágico. Enquanto eu crescia em meio à turbulência da vida urbana, era preciso apenas um estado de alerta superficial para enfrentar o ritmo das mudanças e experiências que se desenrolavam. Havia pouco tempo para questionar a rápida substituição de pessoas e de edifícios. Tais coisas deviam ser aceitas como normais.

À medida que fui envelhecendo e acumulando recordações, passei a me sensibilizar com o desaparecimento de pessoas e referências urbanas. Para mim, eram especialmente perturbadoras as inexplicáveis demolições de prédios. Eu sentia como se, de alguma forma, eles tivessem alma.

Agora, estou certo de que essas estruturas marcadas por risos e manchadas por lágrimas são mais do que edifícios inertes. É impossível pensar que, ao fazerem parte da vida, não tenham absorvido as radiações provenientes da interação humana.
Eu me pergunto sobre o que resta depois que um prédio é demolido?

quarta-feira, 5 de março de 2008

Esgoto com arte.

Impregnado pela filosofia Zen que ensina a elevar à vida a um estado de arte, o povo japonês parece possuir o sentimento de que a perfeição e a harmonia devem estar presentes em todos os aspectos da vida. Estas imagens são de algumas das tampas de bueiros na cidade de Tokyo. Espalhadas pelas calçadas, estas tampas em alto relevo pintadas com cores vivas, são apenas mais um detalhe, mas contribuem para alegrar a paisagem urbana da cidade. É espantoso ver aquilo que todos desprezam, elevado a um estado de arte.

terça-feira, 4 de março de 2008

Dormir, Sonhar e Acordar...

Os quartos de dormir talvez sejam a área mais negligenciada das casas hoje em dia. Na verdade, passamos um terço de nossas vidas ali, mas muitas vezes pensamos que é suficiente a existência de uma cama confortável. Afinal de contas, na maior parte deste tempo estamos inconscientes, não é mesmo? Na verdade não caímos no sono vindos do vácuo. Estes momentos, logo antes de adormecermos, nos desligando do dia e mergulhando no inconsciente, assim como ao acordarmos recarregados, deveriam ser principalmente momentos de reflexão e contemplação. O jeito como você acorda pode afetar o resto de seu dia! Sendo assim, a atmosfera do quarto de dormir precisa de tanta, se não mais, atenção que a da sala de estar.
O quarto é um bom indicador do respeito que o dono da casa tem por si mesmo. Muitas vezes coloca-se uma grande energia na composição da sala de estar, movidos pela ilusão das aparências e do julgamento dos outros. Por outro lado, o quarto é um espaço fora da vista dos visitantes, é um chamado ao pessoal e ao privado. É onde as crianças podem criar seu mundo secreto; adolescentes podem fazer manifestações de rebeldia; adultos podem buscar seu santuário.
Mesmo na casa de pessoas que conhecemos bem, nos sentimos como que ultrapassando uma barreira de intimidade quando entramos sem convite em seus quartos. Parece que a cama é um objeto de embaraço - e não necessariamente por ser o lugar mais usual de se fazer amor - mas porque ela é a testemunha de nossos mais privados sonhos e pensamentos.
A noite precisa ser bem-vinda, mas facilmente banida pelo dia - este é o verdadeiro dilema do quarto de dormir!

Assim caminha a humanidade...


Janela Mágica.

Ela ainda é apenas um conceito, mas que conceito! Uma tablet ultra-conectada criada por Mac Funamizu, designer japonês. Como ainda não tem um nome, podemos chamá-la de "Janela Mágica". Ela tem incorporada câmera-scanner, GPS e conexão à internet. Isso a transforma em um poderoso instrumento para conhecer melhor o mundo e as coisas ao redor.
A idéia é pra lá de simples: enquadre algo que você deseja através do vidro. Pode ser um edifício, um carro, uma obra de arte, enfim, qualquer coisa. A imagem será então analisada e inúmeros sites, como Google, Google Earth, Wikipedia, etc, buscarão todas as informações possíveis sobre o assunto em questão. O mesmo vale para livros e revistas. Coloque sobre um texto e selecione a palavra que você quer. Seu significado ou sua tradução, aparecerão automaticamente na telinha. Aponte para um restaurante e descubra seu menu ou faça reservas. A "Janela Mágica", embora um gadget conceitual, tem toda a tecnologia disponível para ser produzida, dependendo, claro, dos custos de produção envolvidos e de uma série de outros fatores mercadológicos. Mas longe de ser ficção, quem sabe não andaremos em breve com janelinhas como essas no bolso?

extraído do blog Obvious

SUMMERTIME

" Um dia de verão, é um compromisso com a felicidade. E ai dos que não podem sintonizar o coração com a harmonia e a luminosidade do mundo ao redor"
J.G de Araújo Jorge

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Paisagem interior

Todo o estado de alma é uma paisagem.

Em todo o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo que temos consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção. Todo o estado de alma é uma paisagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E, mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem - pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser "Há sol nos meus pensamentos", ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes. Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo - num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva - e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma - é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que "na ausência da amada o sol não brilha", e outras coisas assim. De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de se dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecçãode duas paisagens. Tem de ser duas paisagens, mas pode ser - não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem - que se queira simplesmente interseccionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior. [...]
Fernando Pessoa

Congregar pessoas e livros.

Como se estivesse sorrindo e feliz por cumprir seu destino.

É legal ver um trabalho feito por nós e que poderia ter sido efêmero, ser usado por tantos anos. Desenvolvido pelo estúdio, a Corag (Cia. Riograndense de Artes Gráficas) inaugurou na feira do livro de 2003 a sua nova "barraquinha". Desde lá, ela tem sido usada em diversos eventos do livro em que a empresa participa. Confeccionada em estrutura metálica, painéis de MDF, fórmica e luminosos, tem como principal característica a facilidade de transporte, montagem e durabilidade, assim como a ênfase na apresentação dos livros que a empresa edita. Foi bom passear pela feira este ano e observá-lo (com o distanciamento que só o tempo proporciona), com as luzes ligadas, cercado de gente, como se estivesse sorrindo e feliz por estar ali cumprindo o seu destino de congregar as pessoas e os livros.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Arquitetura Sonora

Degraus musicais.

Na costa de Zadar, na Croácia, existe uma obra arquitetônica invulgar. Um passeio peatonal à beira-mar de desenho simples e elegante estende os seus degraus de pedra polida água adentro. Sem que suspeitemos, porém, no seu interior aloja-se um enorme órgão composto por sete grupos de cinco tubos afinados harmonicamente, que as ondas accionam no seu vaivém. União feliz de arquitectura e acústica que valeu ao seu criador, o arquitecto Nicola Basic, o European Prize for Urban Public Space.
Estamos na verdade na presença de um instrumento musical sofisticado cujos sons imprevisíveis são produzidos pelos elementos naturais - vento e ondas - num concerto interminável de múltiplos andamentos e variações. Este aerofone de 70 metros de comprimento é constituído por 35 tubos de polietileno espaçados de meio metro entre si. Mergulhados na água, funcionam como colunas de ar que libertam os seus sons sibilantes por aberturas situada no degrau superior. O conjunto é unido por uma longa caixa de ressonância.


Extraido do blog Obvious

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Residência publicada no livro Casa & Cia.


“ARQUITETURA DOS SENTIDOS”. Este foi o tema para a seleção dos projetos publicados nesta última edição do livro Casa & Cia.
Talvez o nosso projeto tenha sido selecionado por perceberem nele a busca de sentido, “Sentido de Lugar”. Localizada em Canela, RS, esta obra foi a remodelação de uma residência já existente, e que apesar de muito grande, tinha conflitos espaciais e sensoriais. Com seus espaços compartimentados, funcionalmente rígidos, e totalmente sem alma, ela não conseguia contemplar a busca de integração que a família desejava entre si e com seus amigos e convidados. Pareceu-me que a grande solicitação do projeto, traduzia-se no desafio da busca de SENTIDO. Isso mesmo, SENTIDO, sentido como significado, mas também como sensação... sentimento. Interessante não é mesmo? Alguma coisa, lugar, pessoa ou pensamento, podem ter significado para nós, sem termos em relação a eles sensações e sentimentos? Penso que não. O “sentido de lugar” é a percepção de pertencer, de ser acolhido, de ser íntimo. O “sentido de lugar” desenvolve-se em nós através da vivência em um lugar com sentido. Pense num lugar arquetípico chamado útero. Talvez seja isso que buscamos reproduzir nas nossas casas; um facilitador da felicidade. E é disso que fala Alain de Botton no seu livro Arquitetura da Felicidade quando diz que;“O questionamento da idéia de beleza na arquitetura, está intimamente associado à felicidade e ao bem-estar das pessoas. Afinal, prédios belos têm a peculiar capacidade de provocar boas sensações, enquanto lugares desagradáveis podem ser verdadeiros convites à infelicidade.” Assim, trouxemos para esta intervenção, um conceito espacial que coloca para os proprietários a responsabilidade e a liberdade de ocupar o vazio, de acordo com as necessidades e sistemas classificatórios próprios. Ao mesmo tempo em que dá a eles um suporte arquitetônico para tal. Usada como centro integrador, a enorme lareira, atua como eixo do projeto e organiza os quatro níveis como lugares em busca de sentidos, como em um acampamento ou uma tenda, embaixo da qual tudo pode acontecer em torno do fogo. Perde-se em privacidade, derrubando-se as barreiras físicas, ganha-se em integração e ludicidade, aumentando a percepção e as sensações. A grande cobertura, dividida no seu eixo por uma enorme clarabóia, abriga mezaninos e desníveis, banhados por uma luz abundante e uma visão intensa dos jardins. Lá em baixo, no subterrâneo, um lugar pra fazer música e beber vinho. Casa feita pra sentir, pra viver... Acho que deu certo!
Projeto: Arq. George Martins
A obra foi executada pelo arquiteto Eron Maroni (51) 9226-4208

domingo, 26 de agosto de 2007

A Arquitetura da Felicidade

O que é uma construção bela? Porque dizemos que certos prédios são belos- como o palácio do Doge, em Veneza, e a Catedral de Westminster, em Londres - enquanto tachamos outros de inadequados, esquisitos, monótonos ou mesmo feios? Quais são as qualidades que tornam essa ou aquela obra agradável aos nossos olhos?
Embora muitos arquitetos e teóricos hoje em dia se esquivem dessas questões, assumindo de antemão a inutilidade de um debate acerca da beleza arquitetônica, Alain de Botton parte de indagações tão naturais quanto essas para nos levar por um tour pela filosofia, psicologia e história da arquitetura. Sem oferecer respostas prontas, o autor relativiza concepções normalmente aceitas e provoca importantes reflexões sobre aspectos nem sempre óbvios dos ambientes que nos cercam.
Muito mais do que uma discussão frívola e preciosista sobre detalhes irrelevantes das construções, o questionamento da idéia de beleza na arquitetura está intimamente associado à felicidade e ao bem-estar das pessoas. Afinal, prédios belos têm a peculiar capacidade de provocar boas sensações, enquanto lugares desagradáveis podem ser verdadeiros convites à infelicidade. Em 202 imagens, entre fotos e desenhos, A Arquitetura da Felicidade é um guia indispensável para quem quer desenvolver uma relação mais consciente com a cidade onde vive e entender melhor os sentimentos que ela suscita.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Minha casa sou eu.

O jeito como nos relacionamos com ela expressa o que há de mais íntimo dentro de nós.
Texto original de Isabel Vieira
Conheço um homem que nunca se sentiu em casa na casa em que vivia. Não que houvesse algo de errado com ela - pelo contrário. Os que a freqüentavam não compreendiam. Como alguém podia sentir-se mal numa casa bonita, aconchegante e bem equipada, onde nunca faltaram roupas limpas nas gavetas e aromas culinários da melhor qualidade na cozinha? Mas ele não gostava de voltar à casa depois de um dia de trabalho, ou de usufruir de seus confortos nos fins de semana; durante anos, fez o possível para estar sempre fora e justificava com os mais variados motivos seu mal-estar. Tinha a sensação de a casa pertencer à mulher, não ao casal, dizia; ela a administrava levando em conta somente seus próprios hábitos e os dos filhos; ele não passava de um hóspede ali.
Concretamente a queixa não procedia. O jantar era conturbado pela desordem das crianças, que insistiam em ver televisão enquanto comiam? Fácil, era só estabelecerem horários diferentes para a programação e para as refeições. Havia poucas festas e jantares para os amigos dele? Ela ensaiava esperançosas tentativas de vê-lo envolver-se ao menos com os drinques, nessas ocasiões – mas, como se um fio invisível o prendesse à rua, ele invariavelmente tinha problemas no escritório e se atrasava, encarando as visitas como mais uma tediosa obrigação.
Anos mais tarde, depois que se separaram, ele confessou. Surpreso, descobrira que tampouco se sentia feliz no seu novo apartamento, escolhido, decorado e gerenciado a seu modo, com a ajuda de uma daquelas super-empregadas que só as casas sem patroa nem crianças têm a felicidade de conhecer. Não se sentia bem em nenhuma casa porque não se sentia confortável consigo mesmo, com o seu interior. A analogia é tão clara quanto verdadeira: sentir-se em casa é encarar de frente nossa alma, nossos sonhos, nossas angústias, nossos fracassos, dar um mergulho no mais fundo de nós. Não há nada mais íntimo no mundo que uma casa. Não é à toa, portanto, que as casas se parecem tanto com quem vive nelas – você já reparou? Independente de sua riqueza ou simplicidade, há casas que nos passam a sensação de calor ou de frieza, de horizontes largos ou de confinamento, de descontração ou de formalidade, de futilidade ou de valores verdadeiros, de aconchego ou de rejeição. Pode ter certeza: quem mora ali é assim também.
Por isso, me impressiona menos a quantidade de dólares que um a casa vale do que aquilo que me fala ao coração. Conheci uma assim, de um casal e suas duas filhas, que viviam numa ilha no litoral de São Paulo. Não devia ter mais que 100 metros quadrados e era desprovida da maioria dos luxos da nossa civilização. Mas o calor que se desprendia de suas paredes, misturado ao aroma do pão caseiro que minha amiga assava na cozinha, integrada à sala por meio de um simples balcão, atraía as pessoas mis incríveis para dentro dela – até algumas que viviam em mansões. Tempos depois eles se mudaram, a casa foi vendida por uns poucos trocados, mas sua capacidade de aglutinar pessoas não se esgotou.
Fui visitá-los em outra ilha, no sul distante, e estava curiosa para conhecer a nova casa, que eu sabia ser bem diferente da primeira, tanto no projeto como na topografia do terreno. Não fiquei surpresa ao constatar o óbvio: era igualzinha. Porque seu interior – o dos seus donos – não havia mudado.